Como se sabe, a Administração, quando da realização de suas contratações, está obrigada à elaboração de orçamento estimado, pois sem isso, não é possível a instauração do certame.[1] A existência do orçamento é fundamental para que “a Administração saiba, efetivamente, o quanto custa, no mercado, o objeto a ser licitado. E, neste sentido, quanto mais elementos e informações, mais fidedigno o orçamento estimado da Administração”.[2]
É certo que um bom orçamento estimado é de grande importância para o sucesso das contratações públicas, todavia. Todavia, uma dúvida bastante frequente entre aqueles que trabalham diretamente nas licitações é: de quem é a competência para elaboração do orçamento estimado?
Muito se questiona se esta atividade caberia ao Pregoeiro ou à Comissão Permanente de Licitações, o que desde já fica rechaçado, em atendimento ao Princípio da Segregação das Funções,[3] que veda que um mesmo servidor participe simultaneamente de mais de uma fase da licitação (interna, externa ou contratual). Assim sendo, como a composição o orçamento estimado é atinente à fase interna da licitação, o Pregoeiro e a Comissão Permanente de Licitação, que participam da fase externa, estão impedidos de exercer tal atribuição.
Nesse sentido, cumpre ressalvar que à Comissão de Licitação e ao Pregoeiro cabe apenas verificar “primeiro, se houve pesquisa recente de preço junto a fornecedores do bem e se essa observou critérios aceitáveis; segundo, se foi realizada a adequação orçamentária; e, por último, se os preços da proposta vencedora estão coerentes com o orçamento estimado pelo setor competente”.[4]
Pois bem. Resta incontroverso que a responsabilidade pela elaboração do orçamento estimado não é do Pregoeiro nem da Comissão de Licitação, mas, de quem seria, então, tal atribuição?
De início, cumpre salientar que as principais normas que regem as contratações públicas não trazem qualquer prescrição nesse sentido, relegando para a jurisprudência a tarefa de definir quem seria o agente competente, o que, de acordo com o Tribunal de Constas da União (TCU), é o setor requisitante ou outro setor técnico especializado. Veja-se:
- Desse modo, antes da realização de qualquer procedimento licitatório o administrador deverá realizar pesquisa de preço no âmbito da administração pública, direta e indireta, e também junto a fornecedores do bem objeto da licitação, com a finalidade de elaborar orçamento, o qual será utilizado para se definir a modalidade de licitação, bem como proceder à necessária adequação orçamentária da despesa, consoante dispõem os arts. 14 e 15, inciso V, da Lei nº 8.666/93. Além disso, aludido orçamento constitui instrumento essencial e obrigatório para que a comissão permanente de licitação, pregoeiro e a autoridade superior que homologa o procedimento licitatório, nos termos do art. 43 dessa lei, verifiquem a pertinência dos preços contratados com aqueles praticados pelo mercado.
- Note-se que a Lei 8.666/93 não define que a responsabilidade pela pesquisa de preço e a conseqüente elaboração do orçamento incumbem ao responsável pela homologação do procedimento licitatório, à CPL ou ao pregoeiro. Aliás, de outro modo não poderia ser pois é inegável que não teriam condições de realizar esses trabalhos para grande parte dos objetos licitados. Cito a título de exemplo dessas dificuldades, e porque não dizer impossibilidades, a elaboração de projetos ou termos de referência e dos respectivos orçamentos para objetos, no mais das vezes, completamente díspares, tais como aquisição de soluções de TI, prestações de serviços de limpeza e vigilância, execução de obras complexas, bens permanentes e materiais de consumo dos mais diversos tipos.
- No mais das vezes, os projetos básicos, os termos de referência, estimativas de preço são elaborados pelas respectivas unidades requisitantes do bem, serviço ou obra, ou por algum outro setor especializadoe não necessariamente pela CPL, pregoeiro ou autoridade superior[5] (sem grifos no original).
Sumário: (…)
- Não constitui incumbência obrigatória da CPL, do pregoeiro ou da autoridade superior realizar pesquisas de preços no mercado e em outros entes públicos, sendoessa atribuição, tendo em vista a complexidade dos diversos objetos licitados, dos setores ou pessoas competentes envolvidos na aquisição do objeto[6](sem grifos no original).
Sem embargo do exposto, Cumpre, ainda, trazer à colação a orientação da Advocacia Geral da União (AGU), consignada no Parecer 02/2012/GT359/DEPCONSU/PGF/AGU, para que a Administração edite ato normativo interno indicando o responsável pela elaboração da pesquisa de mercado, para composição do orçamento estimado, senão vejamos:
I – A ADMINISTRAÇÃO DEVE INSTRUIR TODOS OS AUTOS DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS VOLTADOS À CONTRATAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COM PESQUISA DE PREÇOS ADEQUADAMENTE PARAMETRIZADA, AMPLA E ATUALIZADA, QUE REFLITA, EFETIVAMENTE, O PREÇO PRATICADO NO MERCADO.
II – COM O INTUITO DE DISCIPLINAR A CORRETA INSTRUÇÃO DOS AUTOS COM A PESQUISA DE PREÇO ADEQUADA, É RECOMENDÁVEL QUE A ADMINISTRAÇÃO EDITE ATO NORMATIVO INTERNO, DISCIPLINANDO, OS SEGUINTES ASPECTOS:
- A) INDICAÇÃO DO SETOR RESPONSÁVEL PELA REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE PREÇOS[7](sem grifos no original).
Verifica-se, portanto, que inexiste uma indicação expressa do responsável pela elaboração do orçamento estimado, sendo que, no entendimento do TCU, tal competência seria do setor requisitante ou outro setor técnico especializado, sendo certo que tais atribuições não poderão ser exercidas pelo Pregoeiro ou pela Comissão de Licitação. Nada obstante, no entendimento da AGU, é recomendável que a Administração edite regulamento interno disciplinando a indicação do responsável pela pesquisa de preços.
*Inêz Gonçalves Meireles é advogada, consultora jurídica no Grupo Negócios Públicos e membro do corpo editorial da revista LICICON.
[1] “Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência: (…) §2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: (…) II – existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários”.
[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 4. ed. Fórum: Belo Horizonte, 2015. p. 298.
[3] Nesse sentido, vede os seguintes arrestos proferidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU):
“Acórdão: (…) deve-se evitar a nomeação de mesmos servidores para atuar, nos processos de contratação, como requisitante, pregoeiro ou membro de comissão de licitação, fiscal de contrato e responsável pelo atesto da prestação de serviço ou recebimento de bens, em respeito ao princípio da segregação de funções” (sem grifos no original). In: TCU. Acórdão 5.840/12. Órgão Julgador: Segunda Câmara. Relator: Ministro José Jorge. DOU: 07/08/12.
“Relatório: (…)
- Cumpre consignar, por fim, que a defendente integrou – ao menos durante todo o exercício de 2005 – a Comissão Municipal de Licitação (v. histórico à fl. 8 do anexo 15), sendo quetal indicação, salvo melhor juízo, nega vigência ao princípio da segregação de funções e, por via oblíqua, ao da moralidade administrativa, concentrando, numa só pessoa, a chefia do setor de compras e a participação em colegiado que irá atender a algumas dessas demandas,devendo ser de pronto corrigida pelo município por meio de determinação. (…)
9.12.1 abstenha-se de designar para compor comissão de licitação o servidor ocupante de cargo com atuação na fase interna do procedimento licitatório, em atenção ao princípio da segregação de funções” (sem grifos no original). In: TCU. Acórdão 686/11. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro André Luís de Carvalho. DOU: 28/03/11.
[4] TCU. Acórdão 3.516/07. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Aroldo Cerdaz. Data da sessão: 13/11/07.
[5]TCU. Acórdão 3.516/07. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Aroldo Cerdaz. Data da sessão: 13/11/07.
[6] TCU. Acórdão 4.848/10. Órgão Julgador: Primeira Câmara. Relator: Ministro Augusto Nardes. DOU: 11/08/10.
[7] Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/17932400>. Acesso em: 14/11/17.