O papel da Lei 8.666 na ressocialização dos apenados

E a nova hipótese de licitação

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Você sabe quais foram às alterações trazidas pela Lei Federal 13.500/17 para a Lei 8.666/93? Quais as polêmicas destas alterações? E se isso é novidade no Brasil?

Jamil Manasfi, Pregoeiro, Leiloeiro e Presidente de CPL da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia e Coordenador de Licitações e Pregoeiro do Conselho Regional de Administração de Rondônia e Tiago Alves Batista Senna, Assessor Especial da Presidência da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia, Pregoeiro Formado, Palestrante em cursos de Capacitação e Aperfeiçoamento de Pregoeiros, explicaram juntos, na entrevista abaixo, todas essas questões. Confira:

Quais foram às alterações trazidas pela Lei Federal 13.500/17 para a Lei 8.666/93?

Jamil Manasfi  e Tiago Alves Batista Senna-  As alterações e inovações trazidas pela Lei 13.500/17 que impactaram a LLC 8.666/93, foram o acréscimo do Inciso XXXV ao Art. 24, e, acréscimo do § 5º ao Artigo 40; bem como a alteração no Inciso I, do Parágrafo Único, do Art. 26. Importante salientar que impactam a arcaica Lei 8.666/93, que na iminência de ser substituída, continua sendo alterada, aos moldes de uma colcha de retalho.

O artigo 24 da lei 8.666/93, que prevê taxativamente as hipóteses de licitação dispensável, de forma que foi inserido em seu rol, por intermédio da Lei 13.500/17, mais um inciso, sendo o de número XXXV, a saber.

Art. 24.  É dispensável a licitação:

XXXV – para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública. (Incluído pela Lei nº 13.500, de 2017)

Em decorrência da inclusão do novo dispositivo, foi alterada a redação do inciso I, parágrafo único, do art. 26, de forma a adequar o modo de instrução processual para justificação da dispensa, acrescentando a caracterização prevista no recente inciso XXXV do art. 24.

A redação anterior à mudança, contava somente com a necessidade de caracterização da situação emergencial ou calamitosa, para justificação da dispensa. Com efeito, a alteração acrescentou “grave e iminente risco à segurança pública”, para agasalhar a nova hipótese taxativa de licitação dispensável (Inciso XXXV do art.24), conforme observamos abaixo.

Art. 26. (…)

Parágrafo único. (…)

I – Caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e      iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;

Em sendo uma hipótese de licitação dispensável, o gestor público, poderá, ou não, realizar o procedimento licitatório, sendo um ato discricionário. Salientando que a regra imposta pela lei 8.666/93, é sempre licitar.

Outra alteração foi a faculdade de exigência da Contratação de mão de obra oriunda ou egressa do sistema prisional.

A lei 13.500/17, acresceu o parágrafo 5º ao artigo 40 da lei 8.666/93, estabelecendo que a Administração Pública poderá reservar em seus editais de licitação percentual mínimo para fomento de mão de obra oriunda ou egressa do sistema prisional, vejamos.

Art.40. Omissis.

  • 5º A Administração Públicapoderá,nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento. (grifo nosso)

Na nossa ótica, a lei é mais abrangente, tratando também de reeducandos que estão cumprindo pena, tais como dos regimes fechado, semiaberto e aberto, conforme positivado na Lei de Execuções Penais – LEP.

Importante salientar, que a LEP prevê em seu art. 36[1], a possibilidade do trabalho externo ao preso em regime fechado, desde que, tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina, e somente nos casos de serviços ou obras públicas, cabendo informar que a previsão não se restringe somente aos órgãos da Administração Direta ou Indireta, mas também as entidades privadas.

Em suma, a reserva de cotas para o fornecimento de mão de obra, abrange não somente aqueles que já cumpriram pena – egressos – mas também, os que estão em fase de cumprimento de sentença – reeducandos.

Nesse diapasão, o texto da lei é claro em citar o termo “oriundo ouegresso do sistema prisional”. Assim, a literalidade da norma quanto à utilização de pessoas que estão no cumprimento de pena (oriundo) e pessoas que já foram definitivamente liberados do sistema prisional (egressos).

A Lei de Execução Penal – LEP, conceitua em seus incisos I e II, do art. 26, o que vem a ser considerado egresso do sistema prisional, vejamos.

Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:

I – o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento;

II – o liberado condicional, durante o período de prova.

Sempre atual, Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir, sabiamente prevê o futuro dos apenados, ao escrever “o essencial da pena que nós, juízes, infligimos não creiais que consista em punir; o essencial é procurar corrigir, reeducar, “curar”; uma técnica de aperfeiçoamento recalca, na pena, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores”.

Quais as polêmicas e problemas que podem ser levantados diante destas alterações?

Jamil Manasfi  e Tiago Alves Batista Senna-  Com as alterações trazidas pela Lei 13.500/17, temos algumas polêmicas aparentes, tais como o prazo temporal da duração do contrato da nova modalidade de dispensa de licitação, a forma de pagamento aos oriundos e aos egressos do sistema prisional, bem como o percentual de reeducandos e egressos no quantitativo de contratação de mão de obra, e, por fim, o problematização do preconceito social em contratações de mão de obra de oriundos e egressos do sistema prisional.

Quanto ao prazo temporal do contrato para “construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais”, a nova hipótese de dispensa de licitação que acrescentou o inciso XXXV ao art. 24, não fixa prazo delimitador, de forma que difere do que é previsto na dispensa emergencial do inciso IV do art. 24, onde este último limita em 180 dias a contar desde a ocorrência do fato ao término das obras.

A forma de pagamentos aos reeducandos do sistema fechado, semiaberto, e aberto, deve ser realizada mediante convênio entre a contratadora e a Secretaria de Estado que faz a gestão do sistema prisional (LEP).

A mão de obra do reeducando apresenta custo menor, uma vez que não existe vínculo empregatício entre a licitante e os reeducandos utilizados. Assim, por não haver vínculo empregatício, também não existirão encargos sociais incidentes sobre os valores pagos pela utilização de tal mão de obra. Outro ponto, temos a contratação da mão de obra do egresso (temos duas possibilidades positivadas no art. 26, a primeira que seria a do Inc. I, que trata da pessoa egressa pelo período de 01 (um) ano de sua liberação do sistema prisional, realizada a contagem desse período a partir de sua liberação definitiva. A segunda, disciplinada no Inc. II, que seria o liberado condicionalmente no período de coleta de provas), sendo que neste caso a contratação mediante as regras da CLT, além de esclarecer que para o reeducando nos regimes fechado, semiaberto e aberto, existe o instituto da remissão da pena, que favorecerá com redução da pena na proporção de que a cada 03 (três) dias trabalhados, é remido um dia da pena, conforme previsto na LEP.

Uma problemática é quanto ao percentual da utilização de reeducandos oriundos ou egressos a serem contratados no quantitativo de trabalhadores pela licitante, visto que a Lei 13.500/17 não delimitou percentual mínimo, nem máximo, dessas contratações. Com efeito, temos que o Estado de Rondônia promulgou a lei estadual nº 2.134/09, que dispõe da “reserva de vagas para apenados no regime semiaberto e egressos do sistema penitenciário nas contratações para prestação de serviços com fornecimento de mão-de-obra à Administração Pública do Estado de Rondônia”, de forma que referenciada lei estadual estabeleceu o percentual mínimo (cota) de aplicação de 2% (dois por cento) na quantidade de vagas reservadas.

Por fim, na questão da polêmica e problemas trazidos na Lei 13.500/17, apontamos o preconceito na utilização de mão de obra de reeducandosou de egressos nas obras e serviços da empresa licitante por parte de gestores dos órgãos e da sociedade.

Já dizia Foucault[2] que, “o prisioneiro que pode e quer trabalhar será libertado não tanto pelo fato de ser novamente útil à justiça, mas porque de novo aderiu ao grande pacto da existência humana”.

Isso é novidade no Brasil?

Jamil Manasfi  e Tiago Alves Batista Senna-  Alguns Estados já haviam editado normas acerca da matéria. A respeito do tema o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, já havia emitido a Recomendação nº 29, em 16 de dezembro de 2009, recomendando aos Tribunais a inclusão nos editais de licitação para obras e serviços públicos de “exigência para a proponente vencedora quando da execução do contrato, disponibilizar vagas aos presos, egressos, cumpridores de pena e medidas alternativas e adolescentes em conflito com a lei”, estabelecendo percentuais de vagas proporcional a contratação de trabalhadores.

O Governo do Estado de Rondônia, em 23 de julho de 2009, já havia publicado no Diário Oficial do Estado – DOE nº 1293, datado de 27 de julho de 2009, a Lei nº 2134/09, que dispôs sobre “a reserva de vagas para apenados no regime semi-aberto e egressos do sistema penitenciário nas contratações para prestação de serviços com fornecimento de mãodeobra à Administração Pública do Estado de Rondônia”.

Assim, temos que o Governo do Estado de Rondônia, legislou 8 (oito) anos antes da publicação da Lei federal nº. 13.500/17, de forma que o dispositivo estadual já previa reserva de vagas para os reeducandos no regime semi-aberto e egressos do sistema penitenciário de Rondônia, conforme dispositivo abaixo:

Art. 1º. Nas licitações promovidas por órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Rondônia, para contração de prestação de serviços que prevejam o fornecimento de mão-de-obra, constará obrigatoriamente cláusula que assegure reserva de vagas para apenados em regime semi-aberto e egresso do sistema penitenciário, excluindo do disposto nesta Lei os serviços de segurança.

Nota-se a preocupação do legislador estadual em estabelecer a abrangência da lei aos órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Rondônia, o objeto, sendo a contração de prestação de serviços que prevejam o fornecimento de mãodeobra, a caracterização do beneficiário:reeducandos em regime semiaberto e egresso do sistema penitenciário, e a exceção da aplicação aos serviços de segurança.

A Lei estadual exclui a sua aplicabilidade somente aos serviços voltados à segurança, de forma que, não resta dúvida o entendimento de obrigatoriedade imposta a todos os demais casos de prestação de serviços que prevejam o fornecimento de mão-de-obra, tais como reforma, construção, ampliação, melhoramento, serviços de conservação e limpeza, e outros correlatos.

Em seu parágrafo único, a lei estadual estabeleceu o percentual mínimo (cota) de aplicação de 2% (dois por cento) a quantidade de vagas reservadas para apenados em regime semi-aberto e egressos do sistema penitenciário do Estado de Rondônia.

Arremata ainda, em seu art. 2º, que os ditames da Lei serão obrigatoriamente observados quando da renovação de contratos de prestação de serviços com fornecimento de mãodeobra para a Administração Pública do Estado de Rondônia.

*Confira a entrevista completa na revista Negócios Públicos de Janeiro de 2018, e comece o ano bem preparado!

[1]Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

  • 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.
  • 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.
  • 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.

[2] FOUCAUT, Michael. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 1989, p.73.